segunda-feira, 26 de setembro de 2011

REVERÊNCIA AO DESTINO: Carlos Drummond de Andrade

Reverência ao destino


Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O HOMEM E O MENINO

O homem e o menino...


Hoje passou um filme em minha mente... O ano é 1988, eleições municipais, uma criança entra no seio de uma eleição sem saber direito o que aquele momento representava, muito menos o futuro que lhe aguardava. Era apenas uma campanha. O garoto apenas um acompanhante, viu lugares inimagináveis, teve sensações de alegria e medo. Não entendia muito, mas parece que aprendeu um pouco.

Aquele homem cheio de disposição e carinho que levava consigo o garoto, nunca lhe deixou sem uma atenção especial, e mesmo perto de completar 30 anos de vida era tratado por aquele homem como todo o carinho dos tempos de criança.

A vida impôs caminhos que distanciaram os corpos, mas não os espíritos. E a cada reencontro era uma tremenda alegria. Compartilhar as histórias, relembrar momentos que já haviam sido relembrados milhares de vezes, mas o importante era sorrir com a mesma intensidade e saber que ali estava viva uma história de família que vem de longa data, bem antes do garoto nascer.

História construída em uma cidade pequena do litoral paulista, cidade que se viu invadida pela industrialização, mas que suas raízes mantiveram se firme através de homens e mulheres que souberam ver a cidade crescer, receber irmão de todas as partes do país, com eles conviver e aprenderam também a junto deles ganhar o mundo. Ou como se diz na gíria da classe trabalhadora: “correr o trecho”. E foi de trecho em trecho, foi na beira dos campos de várzea, foi no dia a dia da batalha cotidiana pela sobrevivência que este homem se abriu para o mundo, fez amigos e para a vida se formou.

Muita coisa poderia ter acontecido, mas a vida se encarregou de colocar um menino em seu caminho. No momento certo o homem entra pela porta da casa de um grande amigo e recebe um convite. Não recusou. A partir dali estava traçada a junção do destino dele à aquela criança.

Menino que ele levou para o “olho do furacão” de uma campanha, sem saber o que poderia acontecer. O menino que anos mais tarde decidiu despertar-se para além das campanhas e foi para o “olho do furacão” da política, talvez despertado pelo seu subconsciente. Imagens hoje que se revelam muito atuais, parece que foi ontem.

Todos eram conduzidos em uma gloriosa Brasília, ou será uma Variant, isso pouco importa agora, mas foi uma companheira de aventura e tanto. Ela na maioria das vezes era guiada pelo seu inseparável companheiro de trabalho e de vida, que nas jornadas muitas vezes levava sua filha, da mesma idade do menino, para adentar à aquele universo desconhecido das criaças. O garoto recorda isso desde sempre, com um saudosismo sem igual.

E a vida prosseguiu, muita coisa aconteceu. Apesar da idade avançada o grande homem se casou. Foi uma lição de amor à vida e ao próximo. Reconstitui sua vida ao lado de uma grande e maravilhosa mulher, que teve por anos tão perto dele, e ele sequer imaginava que ali estava alguém que tanta admiração tecia por ele. O homem adoeceu, agora ele tinha uma família que buscava lhe dar o conforto e carinho que em boa parte da vida ele nunca recebeu. Já o garoto, continuava sua caminhada, lutando, seu objetivo era mostrar que todo carinho que recebeu durante anos havia de ser retribuído de alguma forma, mesmo que essa forma fosse através de uma incansável batalha para fazer com que a cidade que aquele homem viveu como menino, algum dia tivesse ares do recanto em que vivera as aventuras dos bananais.

No ultimo encontro o garoto anunciou ao homem que estava diante de um dos grandes desafios de sua vida. E que não demoraria muito para comemorar juntos o progresso da vida de ambos. O homem sorriu, disse que estava orgulhoso e feliz. Disse ao manino para seguir adiante e ganhar o mundo, E lá foi o menino, cheio de energia, levando na mente as palavras do homem que lhe dava uma lição da luta pela vida.

Mas não deu tempo, o homem se foi! O menino ficou! Chegou em casa pra dar uma noticia, e recebeu "a noticia". Um choque, uma surpresa, um sentimento. Mas este menino teve uma boa escola de vida, sabe quanto é difícil nessa hora conter os sentimentos mais profundos, mas o fez. Se conteve diante do respeito ao peso da trajetória do homem. Aquele que em momento algum na vida lhe demonstrou momento de fraqueza ou tristeza, diante do menino sempre foi o mais feliz. Não era fácil tentar não pensar no ocorrido. Mesmo sabendo de que este é o ciclo natural da vida, nestas horas não há escolha, só a compreensão.

Infelizmente não foi possível lhe ver pela ultima vez, não foi possível lhe dar o ultimo abraço, nem mesmo lembrar mais uma vez daquelas aventuras de 1988 como se tivessem acontecido ontem, não deu tempo da ultima risada, não deu!

Mas ficou o seu legado de vida, as lembranças dos amigos, as histórias eternizadas e a vontade do menino, de retribuir mesmo agora todo amor recebido por anos, mesmo que de forma escrita.

O homem, José dos Santos Páscoa, o menino, Fabrício Lopes da Silva, seu afilhado!