domingo, 17 de junho de 2018

DILEMAS DO FUTEBOL NO BRASIL

Dilemas do futebol no Brasil
Além de contribuir para melhorar a nossa qualidade de vida, a prática esportiva ajuda na integração das pessoas. Quando realizada com a perspectiva de alto rendimento, se torna um importante instrumento para superar desafios, criar tendências e melhorar a autoestima dos atletas e dos torcedores, afinal, torcer também faz bem.

No Brasil, mesmo após sediar sequencialmente os dois maiores eventos esportivos do planeta, parece que ainda não despertamos para a importância que o esporte tem na promoção do desenvolvimento das pessoas e do país.

Acredito que o maior exemplo dessa falta de visão esteja justamente no esporte mais praticado e reverenciado em nosso país: o futebol. Mesmo com uma quantidade expressiva de pessoas que se envolvem, vibram e consomem os produtos, ídolos e conceitos que surgem dos gramados, o fato é que ainda carecemos de muitas melhorias para nos tornarmos um indutor de transformações, e não apenas um mercado de entretenimento.

Possuímos um grande número de esportistas com talento, mas nos habituamos a valorizar momentaneamente aqueles que sobem ao posto mais alto do pódio. Desprezamos os vices, não reconhecemos esforços coletivos, não aceitamos que perder também é parte do jogo, que o adversário se preparou melhor, entre outras coisas. Preferimos jogar a responsabilidade em elementos externos, seja no treinador, no árbitro, na imprensa ou na torcida.

Outro elemento constante é o hábito de não estimular a coletividade. Sempre focamos em questões individualizadas e na maioria das vezes tratamos os jovens talentos apenas como uma aposta para uma rápida ascensão econômica para seus investidores e familiares.

No cenário profissional é indiscutível que a questão financeira é importante e deve ser tratada com responsabilidade, mas o esportista não pode se reduzir a um contracheque, ele é maior que isso, independente da divisão em que atue ou do tempo de carreira.

Nossos atletas devem ser formados para construir uma nova perspectiva não apenas com a bola nos pés, mas com a cabeça de quem quer melhorar o país. A partir do futebol e outros esportes, formar uma geração de pessoas mais conscientes e responsáveis. O esporte pode ensinar a compreender que dentro ou fora de campo as competições são um caminho de aprendizado, que exercita a disciplina e permite lidar com êxitos e frustrações, ajudando atletas a melhorar a concentração, superar limites e conquistar mais confiança.

As entidades que conduzem o futebol no país parecem jogar dados no tabuleiro de xadrez. O exemplo mais recente e que vem com a justificativa de ‘profissionalizar’ é a obrigatoriedade, a partir de 2019, que os treinadores apresentem uma licença específica outorgada apenas por um órgão: a CBF. Na qual, para cursar o módulo inicial é necessário ter experiência mínima de 5 anos na atividade de treinador e desembolsar mais de R$ 5 mil.

Então pensemos: se há um impedimento para o exercício da função sem a licença a partir de 2019, como um novato vai cumprir os requisitos de tempo mínimo exigido para se inscrever no curso? Será que vão aceitar aqueles que constituírem sua experiência na “ilegalidade”? Pois é!

Não é de se estranhar o aumento do desinteresse na população pelo futebol. Pesquisa do Datafolha divulgada recentemente aponta que 53% dos brasileiros não estão muito animados com a Copa do Mundo 2018. É o pior índice desde 1994, quando 36% afirmaram não se interessar. Por um lado o desinteresse é compreensível, afinal a catástrofe futebolística e corruptiva que abateu o país na edição da competição em 2014 deixou marcas profundas, mas pelo visto continua sendo mais prático aos dirigentes fazer de conta que nada aconteceu.

Ademais, os sinais de desgaste não são recentes: estádios vazios, ingressos com preços absurdos, excesso de confusões envolvendo torcidas, atletas preocupados com o penteado, dirigentes que parecem candidatos à presidente, enxurrada de denúncias sobre combinações de resultados, entre outros, são reflexos dos caminhos precários adotados e que continuamos a aceitar, na maioria das vezes, sem questionar.

É preciso entender que nem só de pay per view viverá o nosso futebol. Muito menos sobreviverá sustentado por uma confraria de associações esportivas que hegemonizam as competições estaduais e sufocam os clubes interioranos. Sem adversários de alto nível a atração vai perdendo o encanto e o público.

Enquanto isso, esportes como vôlei, basquete, futsal e até mesmo as competições de games vão ampliando seu espaço, conquistado novos patrocinadores, aumentando o tempo de exposição na TV, lotando ginásios e unindo torcidas.

Não podemos negar que mesmo com todas essas questões o futebol ainda é muito forte e possui mecanismos que sustentam os sonhos de milhões de jovens. Como citei anteriormente, muitos almejam o sucesso e a liberdade financeira no curto prazo, mas a realidade é bem diferente. Segundo um levantamento feito pela própria Confederação Brasileira de Futebol, em 2017, dos 28.203 atletas com contratos de trabalho, 82,40% “recebem” até R$ 1.000, mensais.

O valor descrito na Carteira de Trabalho muitas vezes não passa de mera formalidade, necessária para cumprir os requisitos legais e maquiar a profissionalização. Há casos, não incomum, de quem inclusive arca com os custos para jogar como "profissional" em um universo em que competições chegam a limitar a idade dos atletas e deixam profissionais em plenas condições de atuar fora de atividade, fato esse que serve apenas para explorar da vontade dos mais jovens e desempregar os "mais velhos", se por assim podemos dizer.

E pensar que em um país em que a qualificação profissional é uma estratégia governamental secundária, se faz importante lembrar que muitos destes jovens até abandonam os estudos na busca de fazer do seu talento uma forma de vida. Mas uma grande parcela se torna apenas mais uma parte da mão de obra barata e desqualificada em busca do sustento.

Sei que os temas que trago aqui são complexos e envolvem muitas vezes o emocional de quem gosta do futebol, mas em algum momento é preciso iniciar esse diálogo de forma séria e franca. O momento exige um choque de realidade para atletas, treinadores e dirigentes. Porém, isso não pode ser feito de forma açodada. Acredito que o passo inicial seja buscar condições dignas para os atletas se profissionalizarem. Que eles possam efetivamente receber seus salários de forma integral, sem necessidade de assinar recibos de pagamentos em branco ou com valores maiores do que realmente recebem. Garantir que todos aqueles que estejam em idade escolar possam estudar, treinar e jogar sem prejuízos ao seu futuro.

O objetivo é de discutir a realidade sem dogmas e clubismo. O esporte é um importante instrumento para fortalecer as relações de afinidade e dar uma nova cara ao nosso país, mas no futebol que deveria puxar essa fila, tem muita gente pisando na bola.



*Fabrício Lopes é Gestor Público

segunda-feira, 11 de junho de 2018

CARTAS


Texto simétrico 
Palavras dosadas 
Em compassos 
Possui importância 
Se faz necessária 
Letra por letra 
Preenche o vazio 
De folhas em branco 
Carregam notícias 
Talvez um segredo 
Desvendam mistérios 
Transportam esperança 
Vai passar em muitas mãos 
Até ser entregue 
De forma aleatória 
Aos desconhecidos 
Humanos esquecidos 
Até para desaparecidos 
Uma mistura de ideias 
Com variável de sentidos 
Se o endereço é correto 
Faz o caminho certo 
Há quem receba perplexo 
Sem saber por qual razão 
Euforia que desperta 
Uma curiosidade 
De saber por qual motivo 
Tenha sido escolhido 
Abre com pressa 
Um papel pardo 
Quase uma aposta 
Um tiro no escuro 
Momento de esperança 
De receber notícias 
Reviver lembranças 
Quando surge a surpresa 
Não entende motivo 
Alívio ou abismo? 
Um estranho lhe escreve 
Informando o ocorrido 
Precisa agir rápido 
Para não correr perigo 
Algumas desprezadas 
Outras devolvidas 
No verso o carimbo 
Cravou qual a sorte 
Alguns se mudaram 
Uns se esconderam 
Teve o desesperado 
O não procurado 
E quem a ampulheta 
Já estava esgotada 
De volta enviada 
Carregam consigo as marcas 
E as feridas do tempo 
Retornam à origem 
As datas impostas 
O papel amassado 
A ausência de resposta 
O dono da escrita 
Será o encarregado 
De dar fim ao itinerário 
Propor outros caminhos 
Largada, imprensada, mofada 
Em um canto empilhada 
Sem qualquer opção 
Registra em um texto imponente 
Um final decadente 
Sinal de novos tempos 
Talvez só velhas táticas 
Na ausência de boas práticas 
Triste desfecho 
Cumpriu seu ritual 
No bailar das cartas 
Com destino incerto 
O futuro é virtual 


*Fabrício Lopes

segunda-feira, 14 de maio de 2018

CIDADE DO PRESENTE

Cidade do presente


Na década de 1960, movido por fatores políticos, econômicos e sociais, o Brasil passou a ter mais de 50% da população vivendo nas cidades. Desde então os desafios apresentados pelos aglomerados urbanos são muito similares, tais como moradia, transporte, destinação de resíduos, poluição, trânsito, entre outros.

É de causar espanto que, mesmo com o fortalecimento econômico do país, essas regiões ainda convivam com problemas de mais de meio século. Talvez isso se deva ao fato de que o destino da população permaneça nas mãos das mesmas pessoas desde essa época. Isso nos dá a tarefa de continuar a buscar maneiras de mudar essa realidade, nos preparando para implantar novos propósitos de convivência nas áreas urbanas.

Conforme dados do Panorama dos Resíduos Sólidos, o Brasil produz aproximadamente 117 mil toneladas por ano, o que representa mais de 1kg de resíduos por brasileiro diariamente.

Além do lixo, a emissão de poluentes é outro grande problema: segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Brasil em 2016 emitiu mais de 2,278 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico na atmosfera. Estes são apenas alguns exemplos de problemas das cidades e que são resposáveis por destruir diversos recursos naturais que o planeta levou milhões de anos para construir.

Se não houver uma mudança profunda na forma de viver nas cidades, logo menos haverá um colapso de proporções irreversíveis para a natureza. Quando o planeta tenta se regenerar, não consegue se recompor na mesma velocidade em que o ser humano o destrói. É como ter um machucado e ao invés de permitir ao corpo o descanso necessário para sua recuperação, continuamos a promover um esforço até que não haja mais condições de se regenerar.

No caso brasileiro, o mais impressionante é que a forma de destruir e poluir se eleva justamente quando possuímos informações disponíveis sobre a importância em manter os recursos naturais preservados para garantir uma vida mais saudável desde o presente.

Não podemos negar que a temática ambiental está em crescimento e hoje temos muitas pessoas alterando seus hábitos e buscando unir ideias na busca de dar o mínimo de contribuição. Porém, com grande parte do empresariado, agentes públicos e sociedade com a mentalidade do século passado, o esforço empenhado hoje não é suficiente para curar todo o mal que é feito diariamente ao planeta. É como tentar curar um câncer apenas ingerindo analgésico.

Acredito que no caso brasileiro, o primeiro passo para a mudança é transformar a realidade das cidades com um grande e consciente investimento em políticas de inteligência urbana, que permita à sociedade compreender melhor os impactos e custos que as cidades possuem para reparar danos causados pelo uso desordenado dos recursos disponíveis.

Precisamos vencer essa barreira de que aqueles que defendem a natureza são contra o desenvolvimento. Se há algo que as máquinas não são capazes de produzir são seres humanos saudáveis que possam mantê-las em operação. Investir em políticas públicas com foco em cidades inteligentes é o primeiro passo para que possamos ter um país com mais empregos, melhor mobilidade, moradia digna, energias renováveis e harmonia com o meio ambiente. Estamos atrasados em relação ao planeta para construir cidades do futuro, é necessário construir a cidade do presente.



*Fabrício Lopes é Gestor Público

Fonte: http://www.infojovem.org.br/blog/2018/05/14/fabricio-lopes-cidade-do-presente/

terça-feira, 20 de março de 2018

FINAL DE MARÇO


Gotas do céu
Param a metrópole
Bueiro entupido
Avenida parada
Rua alagada
Pessoas molhadas
Sinal dos tempos
Dura realidade
Um dia foi garoa
Hoje é tempestade

Catraca gira
Ônibus lota
O tempo se perde
Cansaço aflora
Suor no rosto
Ao passar das horas
Pés exaustos
Na busca do lar

Vidas passantes
Colorido andante
Única proteção
Sirenes que tocam
Vidas em jogo
Caos urbano
Sofrimento cotidiano
Do povo trabalhador


Fabrício Lopes

sábado, 17 de fevereiro de 2018

A CONEXÃO



No século da evolução 
A distração 
É o maior inimigo 
Um mundo passa ao largo 
O tempo desperdiçado 
Sem volta 
Sem conteúdo 
Onde se tem acesso a tudo 
Mas não se aprende nada 

Cérebro sem uso 
Vida das maquinas 
Inteligência artificial 
Caminhos da dependência 
No mapa que te guia 
Se ficar sem bateria 
É como pausar o mundo 
Não lembra sequer os números 
Nem o caminho de casa 
Diante da abstinência 
Passa viver de carências 
Só pensa em pedir socorro 
Fica desesperado 
Está desconectado 
Se vê obrigado a pensar 

Reflete sobre a vida 
Determina que a melhor saída 
Será um aparelho decente 
Com bateria potente 
Que custa um bom dinheiro 
Mas pode ser parcelado 
Para ser monitorado 
E também ficar na moda 
Poder contar aos amigos 
Sobre novos aplicativos 
Que apontam novos caminhos 

A vida então se renova 
Agora com muita energia 
Garante passar o dia 
Fuçando a vida alheia 
Daquele que também se expõe 
Debatendo chifre de unicórnio 
Ou rabo de sereia 

Enquanto isso, o tempo passa 
Pouca coisa acontece 
Escreve uma grande reclamação 
Mesmo sem ter certeza ou razão 
E fica na ansiedade 
Se os amigos não aparecem 
Quem sabe fosse melhor 
Publicar uma corrente de preces 

Sem muitas interações  
Algumas visualizações 
Surge até carinhas de emoções 
Nada muito legal 
Parece que há pouca verdade 
Mas fascínio pela velocidade 
Não dá margem 
É preciso buscar a nova postagem 
De histórias descartáveis 
Abraços não palpáveis 
Muitos clichês, bolha de civilização 

Tudo banalizado, repetido, esgotado 
Sentimentos verdadeiros 
Relegados ao passado 
Que nem é tão distante 
Esquecido na foto impressa 
No canto de uma estante 
Retrata muita gente nova 
Que possui tempo de sobra 
Mas não tem uma vida vibrante 
Consome remédios impactantes 
Na busca de felicidade 

Sem conseguir erguer a cabeça 
Enxergar a realidade 
Viver novos desafios 
Sorrir e chorar além de símbolos 
Demonstrar afeto, usar o coração 
Deixar de lado essa vida previsível 
Com amigos perecíveis 
Feita pra satisfazer o alheio 

É possível mudar o caminho 
Deixa de se sentir sozinho 
Saber usar a conexão 
Não esquecer que carinho 
Respeito e felicidade 
Não se faz no algoritmo 
Está no aperto de mão 
Dentro de um abraço apertado 
Junto de quem se gosta 

Seja falante ou calado 
Cheio de grana ou quebrado 
O mais importante 
É manter a chama acesa 
Se reunir à mesa 
Trocar ideias 
Muitos papos descolados 
Sem grandes expectativas 
Admirar a vida 
Agradecer o momento 
Relembrar histórias 
Jogar conversa fora 
Sem ser fotografado 
Guardar na memória 
Deixar que o tempo 
Seja o guardião 
Da amizade e do amor


Fabrício Lopes