segunda-feira, 25 de março de 2019

O ÚLTIMO QUESITO

O último quesito
O anúncio das notas das escolas de samba é algo que chama a atenção de quem acompanha. Mesmo quem não é adepto da festa popular costuma parar alguns instantes para observar a leitura e as reações. Entre comemorações pelas notas altas e frustrações com notas baixas, podemos observar algumas conquistas individuais e muitos desastres coletivos.

Enquanto há segmentos comemoram a gabaritagem da nota máxima, outros tentam entender o que faltou aos olhos dos julgadores, mas é importante compreender que independente da forma como são anunciadas, sempre há uma pressão infinitamente maior sobre o último quesito.

Atualmente a ordem de anúncio e desempate são realizadas por sorteio, mas por muitos anos a leitura tinha uma sequência fixa e a bateria geralmente é quem ficava para o final. Com isso, o segmento que mais tem o risco de falhar por ser o que atua por mais tempo, para no recuo para ser avaliado individualmente, tem o maior número de componentes e geralmente é o mais desgastante fisicamente, era o último a ter a nota anunciada.

Nenhum peso é maior que perder o carnaval na última nota, ainda mais sendo o anúncio da avaliação do "coração da escola". Em um único anúncio você passa a ter a responsabilidade dobrada por um resultado que vai além do próprio desempenho no desfile.

Se a pontuação virar no último instante, será como o gol da vitória nos minutos finais de uma prorrogação. Todos esquecem as notas baixas e correm para o abraço. Porém se se a derrota vier justamente nesse momento, o peso da cobrança será praticamente eterno.

O assunto aparentemente é sobre o carnaval, mas não é. Trago o presente exemplo para que possamos avaliar a infinidade de coisas cujo o resultado é uma somatória de questões, porém é costumeiro da maioria das pessoas avaliar apenas uma fração das ocorrências que levam à um determinado resultado.

Isso serve para vários temas debatidos no Brasil onde a população que é o "coração do país" acaba por carregar um peso dobrado diante de temas estratégicos. Diariamente pautas são colocadas na agenda do país, geram expectativas, são tratados como relevantes, mas que no fundo são quesitos cuja as notas servem para comemorações individuais, mas que ao final o peso da responsabilidade ficará sobre o povo, e mesmo que este tenha feito tudo de forma correta, por comodismo de muitos, vai pagar um preço que não dependeu do seu desempenho.

As pautas relevantes são fatiadas ao gosto dos poderosos e colocados como essenciais para "salvar o país", por outro lado, falta ao grande público a compreensão de que independente da ordem das medidas anunciadas o resultado final já foi consolidado antes dos os envelopes serem fechados.

Por mais que seja difícil compreender, sempre haverá um clima de expectativa no ar. Talvez o maior impulso seja a ansiedade aliada com a curiosidade que cria uma atmosfera de busca pela alegria, mas que pode desaguar em uma grande desilusão a qual pode ser resolvida com a somatória simples somatória dos resultados e com o anúncio apenas da classificação final.

No caso do carnaval, essa tradição do anúncio ajuda a movimentar as quadras, aguçar o imaginário e alimentar as esperanças. Já na vida real, quanto mais nos distraímos com os anúncios fragmentados sobre os rumos do país, mais longe estamos de compreender o resultado final ao qual estamos sujeitos.

É necessário estar atento e quanto mais tempo se perde tentando procurar um culpado para os fragmentos cotidianos, um conjunto de fatores que nos trouxe até aqui é deixado de lado.

Devemos ter um olhar mais holístico para questões que nos afligem todos os dias e com um sentimento de construção coletiva dos temas. Acredito que esse é o caminho para que nosso país possa se desenvolver e nosso povo não continue a pagar uma conta construída pela exploração histórica e que é diariamente paga por quem mais trabalha. É preciso compreender e unir esforços para eliminar essa pressão nos ombros da classe trabalhadora toda vez que um novo envelope é aberto e uma nova nota for anunciada.



*Fabrício Lopes é Gestor Público e pós graduando em Gestão Ambiental