Pelo direito de sonhar
Por Fabrício Lopes*
A vida às vezes nos impõe um caminho ao qual, se houvesse opção, preferiríamos não seguir. Isso pode tanto acontecer pelos erros que cometemos, mas também pode surgir a partir dos acertos. Muitas vezes, por mais alto que possa falar a voz do nosso coração, somos obrigados a compreender que existem desafios pessoais e profissionais que devem ser enfrentados e deles devemos tirar as melhores experiências, para quem sabe, um dia, se colocar novamente no caminho dos sonhos e das realizações.
É impossível prever os caminhos que iremos seguir, mas o fato é que sempre levamos conosco os nossos sonhos e desejos. Não sabemos ao certo se um dia teremos a oportunidade de realizá-los, é uma incógnita. Porém é necessário compreendermos que depende em muito de nós possuirmos objetivos bem definidos, perseverar relações e levar adiante os ideais que nos motivam a permanecer na luta.
Ainda muito cedo aprendi que seria preciso mais do que boa vontade para realizar alguns dos meus sonhos. Nascido em uma cidade rica, porém com condições quase nulas para seu povo. Sou filho único de uma família pequena, mas extremamente batalhadora e desprovida de grandes recursos financeiros. Diante disso, fui me acostumando a ter que buscar cotidianamente, longe das minhas raízes, as condições para minha subsistência.
Entre idas e vindas, percebi que não era o único a vivenciar essa realidade. Muitos da minha geração se viram obrigados a trilhar os mais distantes caminhos em busca de dias melhores, já que a cidade sempre esteve órfã de gestores comprometidos com as reais necessidades da nossa população, especialmente os mais jovens.
Não são poucos os filhos da nossa cidade que se ausentaram na busca por melhores condições de vida. Esportistas, artistas, estudantes, radialistas, músicos, homens e mulheres de um município que em um determinado momento da história acolheu gente de todos os cantos do país, pois era sinônimo de prosperidade e oportunidade à muitos cidadãos brasileiros, e que há décadas agoniza diante do descaso das grandes indústrias e dos péssimos governantes.
Seja pela falta de postos de trabalho, ausência de espaços adequados para criações e inovações, pela necessidade de ampliação dos estudos ou pelo alto custo da moradia, muitos, como eu, tiveram que buscar a vida fora. Em alguns momentos foi por pura necessidade e falta de oportunidades na nossa cidade. Já em outros, tive a grata satisfação de ser convocado para importantes tarefas, as quais como cidadão me senti honrado em assumir. São fatos como estes que testam a nossa responsabilidade e ampliam nossa experiência, além de saber que de alguma forma estamos ajudando os irmãos de outras localidades desse imenso Brasil.
Ao contrário do senso comum, algo sempre me deixou desconfortável, pois por mais importante o espaço que por ventura eu viesse a ocupar, o meu coração sempre se sentiu apertado. Afinal, aprendi no berço que ninguém é capaz de se satisfazer sozinho. Como filho único que sou, nestas caminhadas pelo mundo fui adotado por muitas famílias. Assim também adotei diversos irmãos e irmãs, que sempre me estenderam as mãos, cada um à sua maneira, para que numa relação harmônica e de equilíbrio pudéssemos enfrentar junto os desafios que a vida sempre nos colocou.
O tempo passou, a distância aumentou, muitas vidas se transformaram, mas o sentimento e os sonhos continuam intactos. Às vezes nos acostumamos a procurar as pessoas somente nos momentos em que necessitamos de ajuda. Particularmente acredito que devemos sempre que possível devolver o carinho para aqueles que admiramos e buscar retribuir de alguma forma aos que não tiveram a mesma oportunidade que tive. É para estas pessoas que escrevo agora.
É impossível descrever nominalmente cada um ou cada gesto, mas cada pessoa a sua maneira, inclusive os que não tenho relação tão próxima, se fazem importante nesta caminhada. Não existe dia certo para fazer isso, é sempre tempo de agradecer e deixar registrado, que essa distancia temporária tem somente o propósito de me levar de volta pra casa com mais experiência e aprendizados, que mesmo de longe procuro a todo tempo compartilhar com todos e todas, para que essa troca de conhecimento e informações fortaleça esse sentimento coletivo e nos dê força para continuar na busca da cidade que sonhamos.
Como diz um trecho de famoso samba enredo interpretado por Aroldo Melodia: "Como será o amanhã? Responda quem puder". Talvez ninguém tenha a resposta certa, mas com certeza todos possuem um sonho de um amanha melhor e mais digno.
Não tenho vergonha alguma em dizer que dentre tantos sonhos e desejos, o maior é a vontade de retribuir ao povo já tão explorado e sofrido de minha cidade com um pouco da minha, ainda jovem, mas ampla experiência de vida. Sei que isso não é um desejo individual, e talvez, quem sabe, esteja mais próximo de ser realizado do que imaginamos.
Neste momento triste, diante de tantas turbulências que mancham a história do nosso município, é tempo tirarmos nossos sonhos da gaveta, unir forças para reerguer nossa cidade e permitir que as futuras gerações tenham o direito de sonhar.
*Fabrício Lopes da Silva é Gestor Público